Racismo não

Público apoiou expulsão de escritora de Feira Literária: “Ela é insuportável”

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A autora, que é filha de diplomata, fechou seus perfis nas redes sociais após a repercussão do caso e limitou-se a dizer que sua fala "foi infeliz". Episódio expôs racismo estrutural e abismo social no meio editorial: "É o reflexo de uma estrutura de poder excludente, onde escritores brancos, ricos e com sobrenome têm palco garantido, enquanto os periféricos ainda precisam ser 'convidados' para falar sobre suas próprias vivências"

Texto de Ana Oliveira, para o Pragmatismo

O Festival Literário Internacional de Poços de Caldas (Flipoços 2025), em Minas Gerais, tornou-se palco de um episódio sintomático do racismo estrutural e do elitismo enraizado no mercado editorial brasileiro. A escritora Camila Panizzi Luz foi retirada da programação do evento após declarações consideradas racistas feitas durante uma mesa com o escritor Wesley Barbosa — autor do livro Viela Ensanguentada e representante da literatura marginal.

Camila, filha da escritora Ivana Panizzi e do diplomata Francisco Carlos Soares Luz (atual embaixador do Brasil na Bolívia), interrompeu a fala de Wesley com ironia: “Como que faz para ser neomarginal? Eu quero ser uma neomarginal gente, olha que tudo. Camila Luz, neomarginal, nunca fui presa”, disse sorrindo.

Wesley, negro, escritor independente e fundador da Barraco Editorial, foi convidado por Camila para subir ao palco durante a mesa “Raízes e Asas”, que ela dividia com a mãe. O gesto, que poderia representar um espaço de escuta e valorização da periferia, rapidamente virou constrangimento público.

“Me senti constrangido, atacado, associado a um criminoso”, declarou Wesley. “A literatura marginal é um movimento literário com história. Não é piada. Quando ela diz que quer ser ‘neomarginal’ e que nunca foi presa, está evocando estigmas que perseguem pessoas pretas e periféricas há séculos.”

A repercussão foi imediata. Vídeos circularam nas redes sociais e milhares de internautas denunciaram a atitude como racista e insensível. “Ela é insuportável, interrompia ele a todo instante”, observou um usuário.

Em nota, o Flipoços afirmou “repudiar qualquer ato de racismo, discriminação ou preconceito” e anunciou o desligamento da autora, a retirada de seus livros da feira e o cancelamento de suas participações futuras.

Camila tentou se justificar em mensagem privada e depois fechou seus perfis nas redes sociais, incluindo o do podcast Pane No Sistema. Em entrevista à imprensa, limitou-se a dizer que “reconhece a fala infeliz” e “lamenta se alguém se sentiu ofendido”. Tentou também deslegitimar a reação pública alegando que os trechos viralizados foram “recortes fora de contexto”.

A resposta de Wesley, no entanto, foi contundente e irrefutável. Ele apontou que o episódio é mais do que um deslize isolado — é um reflexo de uma estrutura de poder excludente, onde escritores brancos, ricos e com sobrenome têm palco garantido, enquanto os periféricos ainda precisam “ser convidados” para falar sobre suas próprias vivências.

“Eu não preciso que alguém me dê voz. Eu tenho voz. Já publiquei, lancei livro na França, batalhei por tudo que construí. Sou filho de faxineira. E sei o que significa ter cada espaço negado”, afirmou.

Camila Luz, que recentemente havia sido citada pelo NYC Journal como uma das “30 mulheres mais inspiradoras para ficar de olho em 2025”, saiu da feira literária sob forte rejeição pública — entre acusações não só de racismo, mas também de arrogância e gordofobia, conforme relatos de outras interações no evento.

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